O trinco de bola prateada (espelhada) que reflete tudo de cabeça para baixo foi a primeira coisa que me chamou a atenção quando eu entrei no quarto. Antes disso reparei também na lua cheia que reluzia lá fora, na luz apagada do poste enquanto eu me dirigia até a casa de minha avó. Estava sendo uma noite estranha, eu confesso tudo parecia bem, bem demais para o meu gosto.

Ela, a bola prateada que me fez ver o mundo de cabeça para baixo está lá, a alguns centímetros de mim disfarçadamente pregada naquela porta que também deve guardar algumas recordações minhas. Aquele objeto redondo me fita como se já me conhecesse há muitos anos. Quando a toquei senti as minhas lembranças mais remotas de infância, percebi que essa não foi a primeira vez que eu observei o presunçoso trinco e que isso estava me parecendo um velho hábito. Vai ver que desde criança eu gostasse de ver e me sentir de cabeça para baixo.

Não sei se essa nostalgia que me trouxe aqui me faz bem ou mal, se deitar hoje nessa cama e lembrar as tantas vezes que já estive deitada nela seja fazendo arte – como mesmo diria minha avó- ou simplesmente contando histórias e procurando a rouba intima dos primos na gaveta do canto, apenas sei que até sensações deixam saudade, e saudade meu caro, é um sentimento incurável quando não se pode voltar atrás.

Ganhar um beijo de boa noite da avó pode significar muito mais do que uma noite em branco procurando razão em qualquer outro beijo, pois aquele beijo se torna absolutamente sincero porque não há malicia. Nele não foram analisadas as medidas do seu corpo, a cor da sua unha ou a marca do seu tênis, e sim as marcas deixadas dentro de você, a cor dos seus olhos hoje, e o quanto você vem crescendo ultimamente, tais características que só podem ser analisadas por alguém que conhece você há muito tempo e muito bem.

Não estou velha, muito menos enrugada e tomando uma porção de remédios por dia, apenas com algumas espinhas talvez, mas quero voltar a ser criança, me esconder debaixo da cama com medo do barulho do vento lá fora e de lá não sair mais.

Marina Beatriz.

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