
Ando tão vulnerável que sinto até o peso que a gravidade faz sobre mim.
O pôr do sol de quarta-feira vem e me pega de calças curtas, de novo, sem nenhum instrumento registrador, apenas os olhos. Contento-me e digo que é o bastante. A trovoada distante ri descarada e maleficamente da minha cara, tentando impor o seu medo sobre mim com aquelas nuvens negras que eu tanto adoro. Mal sabe ela que os seus ruídos, a meu ver, parecem gargalhadas fortes e mal fazem cosquinhas no tamanho do meu medo.
O cara da esquina apressa o passo, o playboy do som alto dispara um timbre agudo demais e a moto acelera causando um ruído de quebrar os dentes. Penso comigo: Estão todos com medo das gargalhadas da trovoada?
Ele está chegando bem mais próximo agora, o rio, as águas turbulentas. Um choque a mais com a gravidade me espera. Acelere o ritmo da voz leitor, enquanto eu acelero o passo. Pronto, conseguimos juntos atravessar a grande ponte de arcos azuis e sem arco-íris. Fim da ponte, fim dos eixos. Gravidade estabilizada em cinqüenta por cento.
Eis que o senhor com o saco de pão, o mesmo de toda quarta-feira, vem em minha direção. Espero que ele não me ataque – ando com tanto medo- e tampouco me ofereça um pão, não estou com fome. Ele passa por mim. Nada acontece. Mais um desafio logo à frente, cruzar a faixa de pedestres.
De acordo com as equações realizadas pelo meu cérebro, esse seria o momento perfeito para usar os meus super-poderes, não fosse a terrível surpresa que teria o senhor ao meu lado, que por sinal também pretende cruzar a faixa (sem super-poderes). Ele fala furtivamente ao telefone. Um susto como esse poderia ser fatal devido ao meu precoce diagnóstico de hipertensão do cara ao lado, devido à perceptível e forte concentração de gordura na região do abdômen e afins. Nada de super -poderes hoje.
Continuo na faixa, a beira do trânsito caótico das seis horas da tarde, a beira do barulho estrondoso dos carros, que por sinal seguem paralelos parecendo uma gigante centopéia perdida em meio ao monstro urbano que se tornou a cidade, o ser humano. Cruzo a faixa, finalmente. Penso alto que preciso chegar logo ao meu destino (fraio) , é difícil ser ‘café com leite’ na cidade grande.
Depois de sentir praticamente todas as emoções das pessoas na rua, de quebra me aparece um malandro de posto de gasolina que me dá aquela olhada traiçoeira procurando o conteúdo traseiro, se é que você me entende leitor. Explico melhor. Típica olhada que somente ele acha, e continuará achando, que eu não percebi, porém, respondo a altura com um olhar fatal pelo canto do olho esquerdo. Ele finge que não entende o recado, mas eu entendo o dele.
Alguns metros antes da chegada, chego a duas conclusões. Primeira; preciso de uma máquina registradora de emoções urgentemente. Segunda; percebi que todos aqueles olhares inundados de emoções, estavam todos eles sedentos de afeto. Era óbvio. Os outdoors da cidade estavam todos camuflados de afeto, os olhos dos pedestres gritavam todos em silêncio por qualquer tipo de afeto, de qualquer jeito, gentil ou não. Até o playboy do som alto, com seu timbre agudo sertanejo implorava por um pouco de afeto. O senhor do saco de pão das quartas-feiras buscava afeto na esposa que o esperava para o café. O Afeto explícito por todos os lados e as pessoas da rua continuando querer ser um patético boneco de lata sem afeto e nem emoções.
Cheguei. Fraio. Abro a porta de vidro. Fecho. Adeus mundo cruel.
M.B.
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