A música de fundo mudou, diz ela, os tapetes foram retirados, o chão está mais frio agora, sensível, sem estorvos para futuros tropeções.
A temperatura anda bem baixa por aqui, observa. As fotos quase congeladas sobre a cómoda ainda incomodam, todos aqueles ciclos deixados pela metade, sempre.
As palavras sujas se repetem na boca, uma massa gasosa de nostalgia suspende o ar. Ela some pela cortina logo depois...e veja só, a cortina púrpura ainda balança do mesmo jeito, como quem quer avisar alguma coisa, sempre.
A memória atônita começa a buscar suas vestes por debaixo dos panos, passa pela abóbora colorida no gesso que enaltece a estante, volta surpresa, com mágoa, aos olhos de quem a pertence.
Passos largos, cheios de firmeza, buscam a direção da gaveta com figurinhas de cor instável coladas na frente, furta-cor, como quiser. Abre a gaveta devagarzinho, como quem os olhos nunca tivessem rastejado todos aqueles cantos bilaterais.
Abre, toca-os. Eles ainda mordem.
Todos aqueles artigos mortos dentro da gaveta continuam vivos. Ela só queria espiar, confessa. Como sempre.
M.B
2 comentários:
M.B é uma boa forma de assinar os textos. 'Ela só queria espiar, confessa. Como sempre.' De fato, só queria espiar.
Tenho também eu uma abóbora dessas na estante. Seu sorriso é um presente, lembro-me sempre.
Ótimo texto!
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